Pular para o conteúdo principal

A Gula ou Fome de vida

– Quem come tão depressa assim não sente o gosto da comida - repetia incansavelmente a mãe de Alfredinho.

Ele parecia nem ouvir. Sua voracidade era tamanha que se empanturrava de tudo que podia até a barriga doer. Ah… e como doía. Era uma dor que sua mãe nunca poderia compreender. E para amenizar… ele comia.

Sempre fora assim. Já na primeira infância, o leite materno não o supria. Chorava de fome, a criança robusta e corpulenta, de bochechas rosadas e sadias.

Os anos foram passando e Alfredinho devorava cada dia com mais vontade. Na escola, além da sua merenda e da dos colegas, o garoto engolia os livros. E tal qual a comida, quanto mais comia, mais fome tinha.

Adulto, era compulsivo. Trabalhava, fazia piada, era a alma das festas. Mas estava sempre sozinho. Mentira. Alimentava-se para afastar a solidão. Enchia-se de pizza quando estava estressado. Adorava ler, acompanhado de petiscos e pipoca. 

Passava os dias a tentar preencher um vazio interior ocupando a barriga.

Sua última refeição foi um longo e solitário almoço em uma churrascaria. Na saída, deu-se conta de que estava atrasado para o trabalho. Entrou em seu carro, pegou uma movimentada rodovia e acelerou.

E tamanho foi o prazer que sentira que pisou fundo. Abriu as janelas e fechou os olhos por um segundo. Foi o que bastou para a frente do seu carro colidir com a traseira de um caminhão de bebidas.

Assim, partiu Alfredinho. Viveu com fome de mundo e foi devorado pela vida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entrevista: A arte de ouvir e contar histórias

Entrevistar é uma delícia. Uma das coisas mais gostosas na profissão de jornalista é poder entrevistar.  Estou falando aqui das grandes reportagens (que não precisam ser imensas na extensão), não do feijão com arroz do dia a dia da redação - aliás miojo do dia a dia seria um termo mais preciso.  Começar um bate-papo com um estranho e aos poucos vê-lo se abrir para você é ao maravilhoso. Vê-lo contar sua experiência de vida, se emocionar com lembranças.  É um momento de confiança total, de entrega total. Daí a responsabilidade do jornalista e o respeito que deve ao entrevistado, à fonte.  O resultado da entrevista é a publicação das impressões do jornalista misturadas às informações do entrevistado. E quanto mais você se encanta pela história, melhor o resultado final.  Você publica um texto lindo e apaixonado. E seu entrevistado se vê naquelas páginas como nunca se viu. E se orgulha. E fica feliz.

Na velocidade da Inveja

"Era uma vez uma lebre e uma tartaruga. Um dia elas apostaram uma corrida.  Enquanto a lebre disparava na frente para garantir a vantagem, a tartaruga seguia em seu ritmo, devagar, mas constante.  A lebre, segura da vitória e a poucos passos da linha de chegada resolveu tirar uma soneca enquanto a esperava para humilhar sua rival. A sesta da lebre durou tempo demais e a tartaruga ultrapassou a linha de chegada em primeiro lugar e com vantagem. " Não entendeu o que essa história tem a ver com inveja ? Então, tente se colocar no lugar da lebre.

Como começar a escrever

Ouço muito algumas frases do tipo: ‘nossa queria saber escrever assim”. Ou “De onde você tira essas ideias?’ Ou, “tenho vontade de começar a escrever, mas não sei como começar ou o que dizer.” Na minha vivência como jornalista e como redatora publicitária já fui abordada  diversas vezes por pessoas com esses questionamentos sobre como começar a escrever. Eu poderia responder de duas maneiras. Uma bem simples, curta e objetiva. E outra mais detalhada. A primeira resposta seria: apenas comece. É bem clichê, mas anotar a essência de uma ideia em algum lugar, mesmo que seja o bloco de notas do celular, pode ajudar a desenvolve-la mais tarde. Sabe aqueles discursos mentais que você faz para você mesmo no chuveiro ou no trânsito? Ou aquela ideia que aparece “do nada” quando você está lavando a louça ou faz uma pausa para o cafezinho? Quem trabalha ou trabalhou em agência sabe que o volume de jobs é grande e a variedade de segmentos também. Entre um cliente e outro eu sempr...