Há muitos anos Breno deixou de acreditar em Deus. As injustiças, as fatalidades e os abismos sociais foram os motivos, alegava ele. Mas o mundo da voltas e hoje, sua fé está, novamente, sendo testada.
Era a primeira vez que visitava o bairro mais pobre da cidade. Todas as ruas eram de terra batida. Ironicamente tinham nome de flores. Quanto mais avançava adentro, mais barracos de madeira surgiam. Algumas crianças brincavam descalças. Algumas mães estendiam roupas em varais de fio. E alguns homens o observavam.
Ao chegar ao pé de uma rua íngreme, teve a subida interrompida por um homem de feições nada amigáveis.
– Dê meia volta, disse ele. – A partir deste ponto precisa ter autorização para subir.
– Sou Breno, irmão de Nelson. Vim buscá-lo.
– Ouvi falar de você. O ex-padre veio buscar o maninho. Pode passar, sem batina.
A tensão começou a tomar conta de Breno novamente. Não gostava de encarar seu passado. Deus estaria pregando uma peça nele? Engatou a primeira marcha e avançou com o carro.
No alto da rua, muros altos cercavam o que parecia uma mansão. Ou seria uma prisão, pensou. Nelson estava detido pelos traficantes donos do bairro e só pode ser libertado até pagar sua dívida. Todas as economias de Breno e mais o carro foram negociadas. Ele não fazia ideia de como dois homens a pé sairiam dali.
Estacionou em frente ao portão principal. Era de aparência pesada, madeira maciça. Os capangas já o tinham visto. Abriram o portão. Ninguém dizia uma única palavra. Um homem armado aparece. Breno sai do carro. Mãos erguidas. Outro homem surge trazendo um maltrapilho encapuzado.
Mal teve tempo de associar aquela criatura sofrível a seu irmão quando foi encapuzado também. Não teve tempo ou forças para reagir. Quieto e submisso, se viu levado a um carro que logo se pôs em movimento.
"Senhor, há muito te abandonei, mas sei nunca me abandonastes. Perdoa-me. Perdoa-me por abandonar o sacerdócio. Perdoa-me pela intolerância com meus próprios colegas de batina. Perdoa a eles, Senhor, por não saberem conter seus impulsos. Por abusarem de crianças. Não sei se minha hora é chegada de voltar aos teus braços levado pela morte. Mas volto a ti neste momento. Pai Nosso que estais no céu..."
Enquanto orava comovidamente perdeu noção do tempo. Só parou de rezar quando o carro parou. Estavam à beira-mar. Foram tirados do carro e liberados do capuz. Nelson tinha marcas roxas nos olhos. Sua testa sangrava.
– Estão livres, disse o capanga. – Mas se voltarem ao nosso território vão pagar com a vida.
Abraçado ao irmão, Breno sentia-se renascer. Na vida, na fé e na família. Foram para casa.
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