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Autoanálise

Ao longo da vida cada um cria seus dilemas. Suas certezas e incertezas. Cria suas máscaras, suas valas, sua amarras. Com Maria Amélia não foi diferente. Vivendo intensamente o alto de seus 33 anos guardava segredos íntimos, culpas solitárias.

Mas usava outras máscaras para disfarçar sua melancolia. Se mostrava forte, durona. Afetada. Espirituosa. Disponível. Crítica em demasia. Chata. Superficial. Queria ser vista assim. Afinal, essa era sua zona de conforto.

Quase nunca chorava em público. Quase nunca discutia. Engolia o choro e a raiva. Na adolescência, não havia travesseiro nem diário para compartilhar suas dúvidas. Dividia o quarto com dois irmãos dedo-duros. Sua mãe nunca fora boa em guardar segredos, mas bisbilhotar! Ah, isso ela sabia como ninguém. O refúgio de Maria Amélia era o chuveiro. A água quente lavava a face, levava as tristezas ralo abaixo e abafava os soluços.

O tempo passou. Ela cresceu. Saiu de casa. Se casou. Até que numa noite morna de dezembro se lembrou. 

Se viu pequena. Presa no berço. Com medo de pular a grade. Chorava por ajuda. E seus pais, no desejo de encorajá-la a tentar sair dali, zombavam dela sem querer.

– Chore, Maria Amélia. Chore – diziam. E a essa altura, ela chorava. Mas já não mais por ajuda. E sim de raiva e de vergonha. Raiva e vergonha de sua fraqueza, de seus medos. Raiva e fraqueza de ver seus sentimentos pisoteados por quem deveria confortá-la.


E ao se dar conta disso, 30 anos depois, Maria Amélia chorou. Fez as pazes com essa parte dela mesma. Daqui para frente, só ela vai saber o que fazer.

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